por Núbia Regina Moreira*
GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira; SILVA; Petronilha
Beatriz Gonçalves e. O jogo das diferenças: o
multiculturalismo e seus contextos. 3. ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2001, 120p.
No campo do que se convencionou chamar de educação inclusiva, o
debate sobre o multiculturalismo tem se apresentado como um dos principais
meios para o aprofundamento da discussão acerca das diferenças no contexto
escolar, além de constituir-se uma ferramenta para a prática pedagógica.
Para tanto, os autores destacam a importância de enfatizar o
multiculturalismo, pois “fala do jogo das diferenças, cujas regras são definidas
nas lutas sociais por atores que, por uma razão ou outra, experimentam o
gosto amargo da discriminação e do preconceito no interior das sociedades
em que vivem”.
No capítulo que trata de Multiculturalismo e Seus Significados, o
multiculturalismo é mostrado como uma possibilidade de significados, que
Práxis Educacional Vitória da Conquista n. 1 p. 279-282 2005
* Mestranda em Sociologia pela Universidade de Campinas (Unicamp). Professora da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).
RESENHA
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atendem a diferentes demandas tanto teóricas quanto práticas e que são
apresentados como: a) uma ideologia que se opõe a toda forma de centrismos
culturais; b) uma estratégia política de integração social; c) corpo teórico que
orienta a produção do conhecimento. Cada um desses três itens deve ser
entendido articulado à idéia de que o multiculturalismo é um “fenômeno
globalizado que tem início em países onde a diversidade cultural é vista como
um problema para a unidade nacional” (p. 14-15).
Os autores advertem que, assim entendido, o multiculturalismo constituise
“um princípio ético que tem orientado a ação de grupos culturalmente
dominados” (p. 20). Em sua origem, essa ideologia estava associada somente
a grupos étnicos, mas, a partir da segunda metade do século XX, outros
grupos considerados culturalmente dominados, isto é, as minorias, aderem
ao discurso multicultural para expressar suas reivindicações de serem
reconhecidos como sujeitos de direito, numa sociedade que os oprime.
A diversidade no interior do multiculturalismo tornou-se uma voz
sólida, que é manifestada por meio da política, da arte e da música. Diversidade
aqui se remete à hibridização e miscigenação que surgem em qualquer local
do planeta e que se apresentam como um grande desafio para a educação.
Ao articular multiculturalismo e educação, objetiva-se atingir um público
definido segundo critérios de eqüidade , ansioso por políticas públicas que
revertam desigualdades baseadas em diferenças de raça, gênero, preferências
sexuais, geração, etc.
O tratamento direcionado às minorias, por meio de políticas públicas,
é uma possibilidade de atender às demandas específicas que não dizem respeito
somente ao campo econômico que acaba por generalizar os sujeitos das
políticas em camadas populares, classe operária, classe trabalhadora. Ainda
que essas políticas não se remetam a questões puramente econômicas, mas,
no contexto atual, também digam respeito a questões culturais, elas devem ser
ponderadas e observadas quanto a sua eficácia, pois cabe ao Estado o papel de
estabelecer “políticas educacionais abertas à diversidade cultural” (p. 39).
O livro ainda apresenta um capítulo que aborda Multiculturalismo e
Educação nos Estados Unidos, que surge na esteira dos conflitos dos grupos
étnicos que lutavam por igualdade de exercício dos direitos civis. Obviamente
que essa luta era encabeçada pelos afro-americanos, mas, paulatinamente, foi
absorvida por novos atores, como, por exemplo, as mulheres e os imigrantes
O jogo das diferenças: o multiculturalismo e seus contextos 281
oriundos dos países pobres. A proposta de uma educação multicultural nos
Estados Unidos é concretizada por iniciativa de professores doutores afroamericanos,
que propõem como principais objetivos: a) reestruturação das
escolas, estabelecimento de ensino superior e universidade; b) criação de
oportunidades de sucesso escolar para todos os alunos, independentemente
de seu grupo social, étnico/racial.
Respondendo às críticas recebidas tanto dos pensamentos conservadores
como de segmentos da esquerda, alguns teóricos da Pedagogia da Eqüidade
argumentam que uma educação multicultural é para todos. É como se fosse
um guia de convivência numa sociedade democrática, já que pressupõe
interagir com diversos tipos de pessoas de diferentes grupos.
No capítulo que trata do Brasil, intitulado O Multiculturalismo na
América Brasileira, os autores fazem uma crítica ao mito da democracia racial,
que escamoteia a situação dos negros e dos índios. O início de um debate
multicultural brasileiro surge a partir da formação de movimentos negros,
que, na época, contavam com “um número de militantes com certo nível de
escolarização, o que os levou a moldar seus projetos políticos, no sentido de
reivindicar para os negros, mestiços, oportunidades de se integrarem na
sociedade” (p. 75). Importante lembrar que o local onde esses movimentos
eclodiram foi a cidade de São Paulo do início do século XX, que estava
investindo no seu projeto de modernização, o qual não permitia nenhum
traço de africanidade (p. 74).
O desenvolvimento do multiculturalismo no Brasil inicia-se com a luta
das organizações negras que, na década de 40, vão colocar em xeque a cultura
dominante. As linhas gerais do movimento multicultural no Brasil se devem à
influência dos fatores externos, que proporcionaram uma aproximação com
as lutas étnicas ocorridas nos Estados Unidos, aliados com a criação da Unesco,
e a programação de uma pesquisa para desmistificar a realidade do negro
brasileiro. Quanto à realidade interna, principalmente no período demarcado
pelos autores – 1940 a 1960 –, foi um momento em que o Estado brasileiro
foi forçado a acomodar a diversidade cultural em nome do desenvolvimento
econômico, mesmo sofrendo críticas e oposição dos “setores populares, em
particular das organizações negras”. Contra a idéia da identidade nacional
“introduziram no debate político, o tema da pluralidade étnica” (p. 86).
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Bem lembrado no livro o papel das organizações negras no que tange
à criação de práticas multiculturais que terão como suporte ou como
laboratório a literatura e o teatro. Destaque principal para o Teatro
Experimental do Negro (TEN) que “percebia a cultura como um campo de
conflitos em torno do qual os negros deveriam encontrar formas para
controlá-lo” (p. 91).
No entanto, nenhuma dessas ações desenvolvidas no interior das
organizações estava relacionada ao sistema de ensino. Algumas experiências
multiculturalistas são apresentadas naquele que vem a ser o último capítulo
do livro: Estudos, Culturas e Pesquisa em Educação no Brasil. A primeira
experiência trata da educação indígena, que privilegia a formação de
professores índios para atuarem junto às suas comunidades; a segunda se
refere à educação de jovens e crianças negras, uma vez que “em alguns estados
da federação foram introduzidos nos anos 80, nos currículos escolares, temas
pertinentes à cultura negra” (p. 100); a terceira e mais usual é a experiência do
bilingüismo adotada por algumas escolas no sul do país, região fortemente
marcada pela imigração européia.
O multiculturalismo é um instrumento de valorização das diversas
culturas que se apresentam no ambiente escolar por meio dos alunos, sujeitos
que anseiam por metodologias que fortaleçam a aprendizagem e que reforcem
a cidadania. Ademais, uma prática pedagógica multicultural é uma construção
que requer reformulação dos nossos conhecimentos e da nossa prática pela
incorporação de outras metodologias e de pesquisas que contribuam para
elucidar elementos de outras culturas e que possibilitem uma abertura para
absorção das experiências produzidas nos movimentos sociais, já que esses,
mediante suas lutas, acabam formulando suas pedagogias de aprendizado,
tentando transformar pessoas em sujeitos de direitos reconhecidos.
Resenha recebida em: 14/06/2005.
Aprovada para publicação em: 22/07/2005.
Fonte: PERIÓDICOS
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